Dádiva.


Passei a ser dessas pessoas que consideram de verdade que o maior presente que podemos ganhar é seguir vivendo. A vida, estar vivo, nenhum bem material traz mais alegria que isso pra quem sente a morte como uma ameaça concreta, e no meu caso foi uma doença que causou essa mudança de perspectiva.

Ontem estive no Hospital para a última consulta do ano, e era justamente para saber os resultados dos exames feitos recentemente (ou seja, tensão). Quem é paciente sente medo sempre, mas felizmente tudo indica que não há doença, então me senti aliviada, ganhei meu presente de Natal!
Não bastasse, passamos depois num dos alojamentos onde moram crianças e suas famílias para deixar uma caixa de brinquedos, doação de alguns familiares. Estacionamos e já vi a Valentina sentadinha, ocupada com o celular, mas ela olhou pra a gente. Minha mãe sugeriu "dá o coelho pra ela!", perguntei e ela quis, sua mãe estava próximo e autorizou, o presente e a foto. Conversamos e soube que elas, que são do Maranhão, ficam até 2021 morando lá por conta do tratamento. Mas disse "que bom que já é quase 2020", com a fé de quem conta cada dia do calendário com esperança como mais um, e não menos um. Mais um dia vivido.
Logo veio a Celina, queria entender aquela movimentação. Celina também tem 5 anos e mora "no Goiás", recomendou que eu vá conhecer. Quer dizer, no momento mora na "casa 1" do alojamento, disse. Perguntei depois se ela é paciente também, pois tem um lindo cabelo cacheado e comprido, disseram que sim. É que ela já mora lá há bastante tempo, "Celina chegou aqui, nossa, muito mal".
Essas duas meninas lindas, sorridentes e já tão fortes sem querer me deram mais outros presentes, me deram alegria, emoção, sabedoria, maturidade, resiliência, fé, e muito mais que nem sei. Só sei que eu nada mais consegui dizer além de "também sou paciente, como vocês", e Valentina abriu um sorriso, com uma valentia que me fez admirá-la mais.
Não queria ter passado pelo câncer, lamento que estamos eu, ela, Celina e tantos outros lidando com essa condição tão delicada de saúde. Mas afirmo, dou graças a Deus por que eu nunca mais pude viver um dia sequer sem me atentar para o fato de que a vida é uma dádiva.