Rasgada e remendada.


Costuro o infinito sobre o peito,

disse Hilda,

e parece que foi para mim.

Literalmente rasgada e remendada e, de cara pro vento, eu grito: sim.


Há uns anos eu morri. A gente morre um pouco a cada dia, mas tem vezes que é de verdade, de uma vez. Nem sempre a morte concreta, mas a simbólica, a subjetiva.

Tive câncer de mama precocemente, e aquela menina-mulher que eu era se foi. Lamento o trauma pelo qual ela passou por que foi bem pesado, emocionalmente, e muitas das ilusões que cultivava foram deixadas para trás, foi preciso amadurecer muito rápido diante de uma nova realidade, urgente. Sinto saudades dela.

Mas, apesar da tristeza, já assimilei essa mudança e a despedida, até por que na confusão me encontrei com outras de mim. O espaço deu lugar e origem a uma mulher que é bem mais segura de si, do seu valor, seu potencial, do que é prioridade, do que é imprescindível, e de como ela contribui, ao buscar ser livre, para libertar um pouco a todas. E isso só foi possível por que contei com a ajuda de outras, que também se reinventam e reafirmam a partir do caos. Juntas, longe ou perto, seguimos no processo de (r)evolução.

Auto-confiança, autonomia, amor-próprio, respeito, dignidade, sororidade, empatia, compaixão, esperança, subversão, conexão, são lemas e exercícios para instaurar uma nova existência e um jeito de corpo no mundo que é só meu, em sintonia com minha verdade de hoje. Que é mutante, sim, por que é justamente essa fluência que gera energia vital, então se permita também morrer e ressurgir outra, se sentir que é o chamado. Seja ou não a partir de um drama, cada novo dia é convite.

Outubro Rosa é quando nos mobilizamos para contagiar a todos com uma vontade de viver que só adquire quem quase morreu, ou melhor, quem renasceu. É sobre câncer de mama, prevenção e tratamentos, mas também sobre ser a prioridade da sua vida, algo que tiram de nós. Esse sistema, ele sim, doente.

Sou tão mais eu atualmente, gente. Com o corpo que a vida esculpiu, riscado à mão, um corpo possível, maduro, exclusivo, que quase a alma nem cabe dentro, de tanto contentamento.

 

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